Qual é o sentimento dominante que se instaura na recepção do universo materno quando os seus rebentos lhes contam que são gays? Pois bem: três espetáculos que estão em cartaz nos palcos cariocas, abordam essa questão na cena contemporânea, dois deles com pegadas documentais e que apontam a problemática desse drama como intercessão em suas respectivas dramaturgias.
Mães que enfrentam com dificuldades as adversidades e as circunstâncias da orientação sexual de seus filhos com direito a todos os entraves das dores e delícia de ter e ser o que se é.
São eles os espetáculos: Eu Sempre Soube, com texto e Direção de Márcio Azevedo. O Marido de Daniel, texto de Daniel Michel Mickeever e Direção de Gilberto Gawronski e A Golondrina, texto de Guillem Clua e Direção de Gabriel Fontes.
Os três conflitos que costuram os espetáculos em questão são produzidos nessa fricção de amor versus preconceito, perdas e muito mais (…).

No primeiro espetáculo, Eu Sempre Soube, um monólogo estrelado por Rosana Goffman, uma mãe jornalista lança um livro sobre o amor de mãe e, aos poucos, dá vida a mães de gays, lésbicas e transgêneros.
O segundo espetáculo, O Marido de Daniel, Dedina Bernardelli interpreta a mãe de um jovem renomado arquiteto gay que torce pelo casamento do seu filho com o seu suposto futuro genro, mas que possui uma relação de afeto bastante difícil com seu filho, com problemas crônicos desde que moravam ainda juntos.

O terceiro espetáculo, A Golondrina, Tania Bondenzan, interpreta uma mãe que fica sabendo da homossexualidade de seu filho, justamente no mesmo dia em que seu filho fora assinado nos ataques homofóbicos à boate gay Pulse, em Orlando, no dia 12 de junho de 2016, próximo à comemoração do Orgulho LGBT+ na cidade. Pelo menos 50 pessoas foram mortas naquela noite e 53 ficaram gravemente feridas.

O que chama bastante atenção nas semelhanças entre os três espetáculos é que o primeiro grande enfrentamento de um gay, depois de sua homossexualidade, parece ser o enfrentamento dessa homossexualidade com suas respectivas mães.
Esse desconforto tende a determinar toda a construção social e emocional daquele que até então parece ser um grande problema e que com o passar do tempo, pode ser diluído ou não, podendo inclusive ser responsável por vários transtornos emocionais nessa relação mãe e filho.
O atrito é difícil nessa dicotomia mãe e filho nas três dramaturgias supracitadas, porque a tragédia, se abate sobre essas mães que forçosamente são obrigadas a experimentar um exercício de alteridade radical a partir dessas perdas e tendo que ler o mundo pela perspectiva desse filho gay.
A mãe de Eu Sempre Soube, por exemplo, perde seu filho para a AIDS. A mãe de O Marido de Daniel não tem o seu filho morto, mas o mesmo sofre uma espécie de AVC que o mantém em estágio vegetativo. A mãe de A Golondrina tem seu filho assassinato, portanto perde seu filho para a intolerância e o ódio aos gays.
Todas as três mães curiosamente são levadas a repensar suas relações e, sobretudo, repensar o seu amor antes e depois que as tragédias as abateram.
As mães do Rio de Janeiro bem que podiam aproveitar o verão carioca para entender e estender esse contexto desse drama social e familiar, junto a tantas outras mães que vivem essa situação em casa, ou mesmo para aquelas que não vivem essa situação em casa.
Fica a dica e o alerta que o amor é mais importante que a dor e o preconceito que ajudam a minar e produzir tanto sofrimento nessa relação tão orgânica.
Em Sempre Soube – Volta em cartaz em breve
O Marido de Daniel – Teatro Petra Gold
A Golondrina – Teatro SESC Ginástico
ARTIGO DE AYRES FILHO
Ator, Bacharel em Artes Cênicas com Habilitação em Teoria do Teatro.